A Trindade
pelo Pe. Rene Laurentin (Católico Romano)
Por que vos falar hoje da Trindade?
Porque Ela nos aproxima de Vassula que vive em contato íntimo, direto e pessoal com as Três Pessoas da Trindade e nos faz amá-Las. Estou emocionado de falar diante dela que As conhece melhor que eu, intuitiva e pessoalmente; no entanto os místicos gostam muito da teologia verdadeira, fundada na coerência dos mistérios. A senhora R., falecida aos 14 de janeiro e apresentada por mim a Vassula também vivia na Trindade. Ela lera meu livro sobre esse assunto e estava feliz por ter encontrado na linguagem das Escrituras, aquilo que ela sentia e vivia diretamente.
A Trindade é o programa do Papa para o ano 2000 e que vale a pena! Este programa é remoto; o ano dos três papas: Paulo VI, sucedido por João Paulo I, morto posteriormente no verão de 1978. João Paulo I que tinha sido eleito, não sem dificuldade, aos 3 de setembro; foi fulminado pela carga esmagadora ao final de trinta e três dias, em 28 de setembro. Naquela manhã, eu estava em Roma. Ao sair de meu quarto, uma senhora da limpeza me disse: “O Papa está morto.” Pensei que ela estava atrasada no tempo. Não, Paulo VI morreu aos 6 de agosto; seu sucessor acabou de ser eleito. Ela insistiu: “Não, o Papa está morto! O Papa morreu.”
Os cardeais vieram a Roma; o cardeal Koenig abordou o cardeal Wyszynski, primaz da Polônia, e grande pacificador, membro da resistência contra o comunismo, que restabeleceu a fé de seu país e a conduziu à vitória. Ele lhe confidencia:
Não consigo ver um papável entre os cardeais italianos. Não há alguém covosco, em outra parte…?
O primaz saltou bruscamente e argumentou:
- Nem sonheis! Se eu deixar Varsóvia, o comunismo terá caminho livre!
O Cardeal Koenig sorriu:
- Não pensava em vós. Não existe um outro cardeal de nome Wojtyla aqui presente?
Ele é muito jovem, não tem experiência, nem é conhecido.
O conclave foi trabalhoso. Não se encontrava a maioria nem do lado de Benelli, morto no ano seguinte, e que tinha inimigos como executores fiéis das decisões duras de Paulo VI, nem do lado do cardeal Siri, de 72 anos, ou seja, seis anos a mais que o falecido Luciano. As vozes se voltaram então para Carol Wojtyla. Vendo-o fazer sua corrida, a cada manhã, em volta da corte de São Damásio, mais de um disse:
- Esse não vai morrer.
Na sétima votação, ele já tinha 73 votos. Eram necessários 75 para que fosse eleito. No oitavo turno, triunfou: 97 votos contra 111. O cardeal “atleta” estava eleito. O cardeal Wyszynski associou-se a ele o tanto quanto possível. Vinte anos mais cedo, ele interrompeu sua descida em caiaque nas corredeiras de um rio polonês para lhe dizer que o nomeara bispo da Cracóvia. No entanto, foi o primaz que se ajoelhou aos pés do jovem sucessor de Pedro. Uma foto registrou uma imagem impressionante , sem revelar as palavras do primaz:
- Será você quem fará a Igreja entrar no terceiro milênio.
Esta frase profética orientou o programa do Papa”: iniciado por: Um Advento com Maria (Totus tuus), seguido do Filho, depois do Espírito Santo, e do Pai, durante os três últimos anos antes do milênio, 1997-1999. Dediquei os três últimos anos de minha vida de teólogo para criar e ilustrar esse programa. Pensei que o havia terminado em 1999, mas fiquei surpreso, pois ainda faltava falar sobre a Trindade, no ano 2000.
Aprofundei o contacto com cada uma das Três Pessoas e isso me acrescentou muito. Cada uma das Três Pessoas é atraente, mas a Trindade suscita problemas.
- É politeismo, objetam os judeus e os muçulmanos.
- É um absurdo, dizem os racionalistas, como uma introdução matemática: 1 = 3.
Fui tentado a abandonar esse projeto impossível por três vezes. Repentinamente, porém, fez-se luz depois de cinqüenta anos de estudos de pouca visão e setoriais. Tudo se esclareceu: a teologia, a espiritualidade, a filosofia e até mesmo as ciências, e sobretudo o homem, a família, a sociedade… e nosso porvir. Toda a Bíblia me apareceu dentro da unidade de um só traço, ligando a primeira revelação completa do nome de Deus à última do Novo Testamento.
1. No ponto de partida, a revelação de Moisés, no Sinai
- “Eu Sou Aquele que é.”( Ex. 3, 11)
Depois, mais laconicamente concentrado.
Sou uma só palavra livre ( EHYEH).
Deus se revelara, há quase um milênio antes de Sua descoberta pelos filósofos gregos, através do verbo ser, levado ao seus limites, como Ser absoluto, fonte de toda existência, mas também como um Deus pessoal, um “Eu” dialogando com os homens; o que os gregos não conseguiram perceber somente pela razão humana. Deus permanecerá sempre para eles como uma abstração.
2. Do outro lado da Bíblia, no último escrito do Novo Testamento, no fim do primeiro século, João Evangelista disse a última palavra: “Deus é amor” ( Jo. 4, 8. 16). O Deus pessoal, revelado a Moisés, não é solitário, mas solidário. Não é narcisista, mas social. Não é de maneira alguma o egoismo supremo, mas o altruísmo supremo. Eternamente, Ele dá nascimento ao Filho como Deus, com Ele e Nele, compartilhando a mesma vida, o me smo ser. O Filho, eternamente, dá graças ao Pai por tudo que recebeu. Essa troca íntima que os une, é a Terceira Pessoa: Seu vínculo, Seu próprio amor, o Espírito Santo.
A pedagogia de Deus é genial e simples. Ele já dissera tudo a Moisés, em um única palavra hebraica ( O sujeito incluso no Verbo): “EHYEH”. EU SOU. No final da Revelação, Ele comunica Sua atividade, ignorada pelos filósofos, em três palavras: Deus é amor. Deus é o Ser supremo, o Ser absoluto; mas o ápice do ser, sua forma transcendente e suprema, ou seja, é menos Inteligência Força e Densidade do que amor. O Ser supremo é somente amor. É o mais alto segredo do Ser, o segredo de Deus; íntimo, coerente e luminoso, porque as relações das Três Pessoas não multiplicam o ser de Deus, mas constituem a unidade suprema, que é o amor supremo. De modo análogo, a mãe de um, cinco ou dez filhos, é uma só mãe. Ela vive dentro da unidade, suas relações múltiplas.
Os teólogos sintetizam cada problema dentro de um princípio abstrato e teórico. O Próprio Deus resume: tudo na frase mais simples e mais concreta possível, porque não há nada mais concreto nem nada mais esclarecedor que o amor. Compreendemos na medida em que amamos.
Esta luz é a fonte de todas as outras.
2. Luz sobre toda a teologia.
Esta Revelação bíblica esclarece pouco a pouco toda a teologia. Deus é somente amor. É Sua própria atividade. Ele criou por amor e pelo amor. Ele nos convida a compartilhar eternamente Seu amor.
Quando era seminarista, época em que a teologia era terrivelmente abstrata, meus companheiros do seminário francês de Roma, haviam bem compreendido, que para ser verdadeiramente sacerdotes, tinham que repensar novamente toda sua teologia, a começar do amor, que está todo em Deus e é por nós: “E nós, nós acreditamos no amor,” diz João. (Jo. 1,4) Como último recurso, a teologia fala somente de amor.
A Encarnação é o amor de Deus, derramado e comunicado. A Redenção é amor de Deus que se faz homem para salvá-los. Ele assume nossa humanidade para nos dar Sua divindade. Troca admirável, dizem os Padres da Igreja.
A Redenção é ainda mais, disse Jesus: “não há amor maior do que dar a vida por quem amamos.” ( Jo. 15, 13). Ele vai até o limite dessa troca admirável. Ele toma sobre Si Próprio nosso pecado e nossa maldade para nos dar a santidade e a bondade. “Ele se fez pecado, por causa de nós,” fala São Paulo, (ICor 5, 21) para substituir nosso pecado pela plenitude de Seu amor.
A Igreja é a unidade de homens em Seu “Corpo místico”, “uma única Vinha,” fala mais radicalmente Jesus: “Eu sou a videira vós sois os ramos (Jo. 15, 1). Ele não diz “Eu sou o tronco,” mas mostra claramente: “Eu sou a verdadeira Vinha.” Ele explica o quanto se pode explicar: “Vós em Mim e Eu em vós”, e o repete ao longo do Evangelho. (10.38 a 17.21)
Os sacramentos são atos de Seu Amor Salvador: infalível, desde que os padres realizem em Seu nome os sinais sensíveis, que Ele criou para cumprir Sua promessa.
- “Estarei convosco até a consumação dos séculos.”
Muito mais, a Eucaristia, o Sacramento dos sacramentos, é o dom total de Si Próprio: corpo, alma, divindade, na unidade inseparável das Três Pessoas, na unidade de Seu Corpo Místico, também inseparável na Comunhão dos Santos. É a total antecipação de Deus.
3. A luz sobre a espiritualidade.
Se repensarmos e contemplarmos toda a teologia no amor, ela é “ipso-facto,” espiritualidade. Não há nada a completar árduamente as abstrações da escolástica através de seus “corolários de piedade,” como dizem os manuais antigos. A teologia do amor é espiritualidade.
4. A luz sobre a Filosofia.
A Trindade deu-me o entendimento sobre a Filosofia. Comecei meus estudos universitários com duas licenciaturas em Filosofia, na Sorbonne e no Instituto Católico, onde fui formado em Filosofia Tomista por Jacques Maritain; tive contato pessoal com Henri Bergson; cuja vida inteira de pesquisa, a partir de uma formação mais materialista, o fez descobrir finalmente Deus através do testemunho dos místicos cristãos.
Admirei muito a descoberta dos filósofos gregos que chegaram a Deus pela razão. Tudo começa com Parmênidas ( mais ou menos em 450). Ele teve a intuição profunda do ser, percebendo através dos seres contingentes, o ser supremo:
“ O nada absoluto é nada, nada existe: o ser é necessário, ele é um. Ele é perfeito; ” dizia Ele, concluindo: nossa percepção de seres múltiplos e moventes é ilusória. Enquanto seu discípulo Zenon d’Ellée, dialético, demonstrava com vivacidade:
A flecha, que parece voar em direção ao alvo, é imóvel. Ela não pode estar em diversos lugares ao mesmo tempo. O que seria contrário ao princípio fundamental da identidade.
Os sucessores ultrapassaram seus sofismas. A partir dessa problemática paradoxal, mas profunda, Platão e Aristóteles compreenderam progressivamente a separação entre os seres contingentes, múltiplos e moventes, que torna visível nossa experiência e o ser necessário, único, imutável: princípio, causa final, e ponto de abstração de todo o resto. Ele é uno, perfeito, ato puro.
Mas por impossibilidade de poder penetrar na vida de Deus, esta admirável filosofia se apoiava num escândalo. O Ser uno e perfeito não podia ser amoroso a não ser de Si mesmo: Ele seria então o egoismo e o narcisismo supremos. Aristóteles, que escreveu um tratado sobre a amizade, compreendia o amor como um valor supremo. Ele não ousou dizer que Deus era um pessoa; permaneceu, porém, no rigor de suas conclusões abstratas. Mas depois dele, a Filosofia se amparou no mesmo escândalo latente e a esta frieza, oscilou sempre entre o panteismo onde tudo é Deus e o ateismo onde nada é Deus.
O panteismo é confusão do Deus transcendente com a Criação. Os estóicos recorreram a isso para encontrar em Deus o ardor moral de uma solidariedade que tudo une. O Apóstolo Paulo louva essa intuição, em seu discurso no Areópago de Atenas, citando o melhor entre eles: Nele vivemos, nos movemos e existimos, porque somos também de Sua raça como disseram aos poetas ( Atos 17). Mas concluindo, não sem corrigir: “Ele fez o mundo e tudo o que existe."
Quanto aos ateus, entraram no jogo de um homem só.
5. Luz sobre a humanidade.
A Trindade é luz sobre o homem. A Bíblia, desde sua primeira página, manifesta isso dizendo
Façamos o homem à Nossa imagem e semelhança.
Deus fez o homem à Sua imagem e semelhança.
Ele o cria à Sua imagem.
Para criar o homem, Deus fala NÓS.
Ele criou o homem no singular: “ELE O cria,” porque o homem é uno: a relação da criação exclui todo o racismo. Mas Ele, também, os criou múltiplos: “ELE OS criou homem e mulher” , múltiplos e diferenciados. Ele os criou incompletos e complementares, destinados por natureza ao amor que os faz um e chamados a criar com Deus e outras pessoas humanas: seus filhos. “Multiplicai-vos”, disse-lhes Deus. ( Gen. 1,28) O homem é principalmente família, a sociedade natural, obra prima íntima da Criação. O homem é social em todos os níveis: e os homens tomam, cada vez mais, consciência da unidade e solidariedade do gênero humano, graças à explosão da comunicação. “Que todos sejam um, como o Pai e Eu somos um,” repete Jesus em João 17,21-22.
A unidade das Três Pessoas na Trindade fascinou Fuerbach e Marx, os fundadores do comunismo ateu. Eles falam sobre isso. Meu livro os cita. ( pag. 321 ss) Eles queriam libertar o homem de seu individualismo e de seu egoismo, radicalmente, suprimindo a propriedade privada, que curva, inclina o homem possessivo, para realizar, desse modo, a unidade: “O gênero humano será internacional.”
Infelizmente, a conversão de Fuerbach ao materialismo, em oposição ao idealismo de Hegel, fez com que substituísse o amor pela a luta de classe e comunhão pelo coletivismo, que resultaram no proletariado e no “goulag”. Fuerbach e Marx extraíram, portanto, as fórmulas próprias de seu ideal das Santas Escrituras. Ele pretendia realizar progressivamente a sociedade socialista, que daria a cada um conforme seu trabalho, depois a sociedade comunista que daria a cada um conforme suas necessidades: fórmula literalmente copiada dos Atos dos Apóstolos ( Atos 2, 45; 4, 35) para descrever o modelo social da comunidade cristã primitiva. Além do mais, “comunismo” é ainda uma palavra em “ismo” que indica um excesso. O Comunismo deforma a palavra latina comunhão ( latim: communio, grec, koinomia), que define a sociedade cristã primitiva conforme com o “Atos dos Apótolos”: “a multitão dos que haviam acreditado era um só coração e uma só alma”( Atos 4, 32; 1,14)
6. Luz sobre as fontes e o cosmo.
A Trindade ilumina também o conhecimento do mundo. As ciências interpretam admirávelmente o “como”, os mecanismos do cosmo, enquanto a Revelação não nos diz nada. A Trindade nos dá a luz do “porquê:”
O grande problema filosófico, após os gregos da antiguidade, é: “Porque o mundo parece, às vezes, uno e múltiplo”, isso parece contraditório.
Parmênidas eliminava o múltiplo que é por si só uma ilusão. O ser é uno. Nada de múltiplos. Tudo era necessário, imutável. Para Heráclito, ao contrário, tudo era múltiplo e não havia unidade: “Tudo passa” ele dizia ( em grego, panta rei,) e “não se banha duas vezes no mesmo rio.”
- Bem, não é um dilema. Não se trata de se eliminar o “uno” ou o múltiplo. O mundo é, às vezes, uno e múltiplo, Deus é, no mais alto grau, Um; absolutamente Um, porque não há nada mais Uno do que o amor; mas Ele é igualmente múltiplo, porque para amar, é necessário ser muitos. Em Deus-Amor, as Três Pessoas não são indivíduos, as Três Pessoas nada mais são que Relações, diz genialmente Santo Tomás de Aquino. Por conseguinte a Unidade suprema é constituída eternamente por correlação, reciprocidade, mútua interioridade “O Pai e Eu somos um” (Lc. 10,38). É esta unidade múltipla que o mundo reflete em todos os níveis.
No “infinitamente pequeno”, o átomo é um núcleo em torno do qual gravita um ou vários elétrons, e o núcleo é composto de uma multidão de partículas que os sábios identificam progressivamente, em mais de dez: prótons, neutrons, neutrinos, mésons, léptons, muons, etc.
No “infinitamente grande”, nosso mundo é constituído de uma multidão de planetas que gravita em torno do sol, não sem analogia com o átomo. Em nossa galáxia, há milhares de estrelas análogas em volta das quais giram outros planetas; e além de nossa galáxia há milhares de galáxias , projetadas explosivamente no universo pela explosão original do “big-bang”: uma concentração inconcebível de energia e de constante calor, que se dilata e se dilui no universo em expansão, com a rapidez da luz. É a energia que unifica e constitui a unidade desse mundo múltiplo, ainda que originalmente concentrado em uma partícula minúscula, milhares de vezes menores que a ponta de um espinho. A energia que unifica o mundo em todos os níveis é uma imagem longínqua do Espírito Santo, que a Tradição designa como o Vínculo e o Amor que realiza a unidade do Pai e do Filho.
Encontramos outras imagens de Deus em todos os níveis da vida, principalmente a célula, com seu núcleo e seu protoplasma, depois o organismo vivo, vegetal ou animal: a unidade autônoma da vida em uma multiplicidade orgânica de células, análoga ao espírito, princípio de toda vida. Os animais superiores se reúnem, por sua vez, em sociedades, organizadas e comunicantes, como as colmeias de abelhas e os formigueiros. Reencontramos no cimo, a sociedade humana onde Deus colocou sua melhor imagem. Não se trata de uma réplica. Se a família é una, “pai”, “mãe”, “filho”, não é a ordem da Trindade onde o Filho vem em segundo lugar e o Espírito, ( feminino em hebraico) em terceiro. Mas o amor é o mesmo.
O estudo da Trindade me fez compreender também a profunda convergência entre a teologia bem compreendida e as ciências. Elas são muito diferentes. As ciências decifram o “como”; a teologia o “porquê”. Mas sua evolução as aproxima culturalmente.
Os gregos, fundadores das ciências modernas, pensavam em substância. Para Aristóteles, a relação era uma propriedade da substância ( o quarto medicamento). A ciência moderna pensa somente em “relação”; e se compreendemos bem a última palavra da Revelação: Deus é amor, compreendemos que tudo é relação: Deus é relação, porque é amor. E a Criação existe, somente por causa de sua relação com Deus. Em poucas palavras, a Revelação nos faz compreender
- de um lado que Deus é só Relação;
- de outro lado que o mundo é pura relação transcedental com Deus, além da relação predicamental de Aristóteles, uma vez que todo ser criado mantém sua relação com o Criador. Igualmente, a graça é pura relação com Deus, que nos recriou à Sua imagem e São Luís Maria Grignon de Montfort dizia muito bem que Maria é toda relativa ao Cristo, e que Ela é relação de Deus ( Relação com Deus, afirmava antes dele, Bérulle). “Tudo é relação, e isso é absoluto” me falava um cientista prestigiado da atualidade, Olivier Costa de Beauregard. E o dizia após Poincaré (1913) que formulou, antes de Einstein, as equações da relatividade ( sem generalizar). Mas com Poincaré, a fórmula é menos bem equacionada: ela diz respeito às variantes da relatividade. Esta fórmula me fascinou.
- Eu lhe respondi que era a melhor definição filosófica da Trindade. Deus é amor: e somente amor; só relação. A Criação é relação a Deus. Ela vem de Deus. Ela se direciona a Deus; sua causa final, como já o percebia Aristóteles. Ela gravita de alguma forma em torno de Deus. É este é um novo sinal pelo qual o combate histórico entre a Ciência e a Fé está se transformando em harmonia e convergência?
O que é o amor?
Estou quase terminando...
- Mas os senhores me dirão: não explicastes o essencial, uma vez que Deus é amor e nos convida ao amor eterno, que é o amor?
Nada mais difícil de definir, porque nós experimentamos o amor. Nós o vivemos. Nós o percebemos intuitivamente, mas não podemos defini-lo distintamente, como podemos definir o ser. Podemos dizer: “É um sentimento, um atrativo que une duas pessoas: ou ainda é comunhão, partilha, felicidade de estar junto, é gratuidade, além do interesse, é o que o fica quando se perdeu tudo.”
A palavra “amor” é ambígua; pode exprimir coisas contrárias.
Quando um apaixonado diz: “eu te amo,” isso pode significar coisas bem diferentes, senão contrárias.
- Ou então o simples desejo, eros: “eu te quero possuir, te dominar, te destruir.”
Esse amor egoista produz os mal-amados, as vítimas, que concluem amargamente: Ele se aproveitou de mim. Nesse quadro de extremos, o perverso viola, depois mata a vítima, mulher ou filhos ( atacados pelos pedófilos) contam os jornais periodicamente.
Mas, “eu te amo”, isso pode querer dizer também (o que é normal).
- Quero teu bem, tua felicidade, e darei minha vida por ti.
O amor verdadeiro é dom, dom de si até a morte, além da morte.
- “Há mais felicidade em se dar do que em se receber,” disse Jesus, conforme Atos 20,8.
Freud canonizou o desejo. Não direi que o desejo é mau; é uma dimensão de nosso ser: o dinamismo de nossa natureza selvagem; mas é apenas o átrio, o primeiro movimento do amor. Aqui, a Trindade nos esclarece. Em Deus, não há desejo, porque Ele tem tudo. Ele é tudo. Ele está além do desejo; Ele é exclusivamente dom.
Ele nos convida a converter o desejo em dom. Ele programou esta conversão na própria natureza. O bebê é ansioso.
- Não é mais que um tubo digestivo, dizia um de meus amigos médicos, não sem exagero.
Os jovens são freqüentemente egoistas. Eles são despertados para o altruismo quando descobrem o homem ou a mulher de sua vida. Eles querem a felicidade do outro que será sua própria felicidade.
Essa etapa é, às vezes, mal sucedida. Isso torna os casais infelizes e ocasiona os divórcios. Mas, no estágio seguinte, quando têm filhos, a etapa é majoritariamente alcançada. Os egoistas estão prontos para todos os sacrifícios por seus filhos. Eles não dormem, cuidam deles dia e noite, durante suas doenças. Meu avô dizia:
- O que nós damos a nossos filhos, eles jamais poderão retribuir, mas eles o farão por seus filhos.
Então, qual é a essência, a palavra específica e o paradoxo do amor?
O segredo do Amor vivido, é a passagem do amor “desejo” ao amor “dom” e do “eros” (de onde vem o erotismo) ao “Ágape”. O Novo Testamento nunca usa a palavra “eros” ( tão corrente no grego); ele aboliu a palavra “Ágape” para designar o verdadeiro Amor: o que é em Deus.
Deus está além do desejo; Ele tem tudo, Ele é tudo. Ele é sobretudo dom, gratuidade, superabundância.
Ele nos convida a purificar e transfigurar o desejo em dom, o que sucede no plano natural do casamento, conforme dizíamos. É o sentido do misterioso adágio que, freqüentemente, se repete no quadro dos Evangelhos:
Quem quer salvar sua vida, a perderá e quem a perde, a encontrará, porque se reencontra no outro (e, finalmente, em Deus) na comunhão. E Jesus exprime mais claramente esse mesmo segredo:
- Há mais felicidade em dar-se do que em receber.
1. O amor põe aqueles que se amam em pé de igualdade. Um senhor inglês assim definiu a amizade:
- E o que faz com que um “lord” prefira, às vezes, seus jardineiros a seus pares.
2. Devemos dizer ainda: o amor é o que coloca os grandes a serviço dos pequenos. O rei dos contos aos pés da pequena pastora; os pais ao serviço de seus filhos, melhor do que os empregados mais devotados.
Tal é o amor de Cristo por nós. Ele, igual ao Pai, “se fez escravo por nós”, diz São . ( Fil. 3). Ele o simbolizou ao lavar os pés de seus discípulos, confusos e intimidados antes da Última Ceia. (Jo 13). Em uma parábola, promete que no banquete celeste, será Ele Quem pegará o avental para servir os empregados que se dispuseram a Lhe prestar esse serviço (Lc. 12, 37). E é em sinal escatológico ( Lc 22,18; ICor. 11, 27) que Ele o fez antes da Ceia.
O apóstolo Paulo disse que o Cristo se fez escravo por nós. (Fil. 2, 7) “Não há maior amor do que dar a vida pelos irmãos”, prega Jesus. Ele o afirma modestamente, timidamente, sem enunciar o “Eu”, mas o fez até o extremo, atrozmente.
Meu livro detalha e justifica tudo isto pelas Escrituras e pela Tradição cristã.
Conclusão
É hora de concluir. Eu o farei simplesmente nos termos bíblicos do próprio Jesus. Tudo em duas ou três pequenas frases, sem teoria, sem abstração, mas que vão esclarecer a linguagem e nossa finidade:
- primeiramente: o Pai e Eu somos um (Jo. 101,38)
- em seguida e é quase a mesma coisa: que sejam um como Nós somos um.
Ele explica essa identidade em termos ( complementares) de interioridade e de intimidade: “Vós em Mim e Eu em vós, como Eu estou no Pai, Ele em Mim e Eu Nele”( Jo, passim, 10,38. 17, 21-22)
O amor está além das palavras. Jesus o exprime em termos de habitação, união, imunidade e finalmente, identidade: “Eu sou a videira, vós sois os ramos.” Não seria demais repetir essas palavras vertiginosas. Ele não diz : “Eu sou o tronco", mas “Eu sou a videira”. Somos Nele. Ele nos diviniza coma uma parte de Si Próprio. “Quem perde sua vida ( por Deus e pelo próximo) a ganhará, diz ainda Jesus.
Deus nos convida a um amor sem limite, de duração, de perfeição, de qualidade. É confuso, perturbador. É a perda de nossa vida, prometida não à morte mas à felicidade em Deus. O Amor é reciprocidade. O Amor perfeito é reciprocidade perfeita. Deus se forma, se exprime pelo amor dos outros. Quem disser: “que ama a Deus mas não ama o próximo, é mentiroso", diz o apóstolo João ( IJo.4, 20). Este será o julgamento: “eu tive fome e me destes de comer.” (Mt 25). E ficaremos surpresos, fala Jesus.
- Mas então quando Senhor?
- Aquilo que fizestes a um dos meus pequeninos, foi a Mim que o fizeste.
Tal é a grande unidade entre Ele e nós. E o apóstolo Paulo parece faltar ao teocentrismo, quando diz, sem lembrar o Amor de Deus: “Aquele que ama o próximo cumpre toda a lei.”( Rom. 12,8-9; IJo 4.8: 19-20)
Obrigado, ó Deus, por serdes Tudo; por Vós e paralelamente por nós, no mesmo nível; por ser também a plenitude para Vós e para nós, dentro da plenitude de Deus tudo e em todos.
O amor não é um objeto; é um dom, união, unicidade. É mais que conhecimento; uma praxis, uma união além de todo conhecimento, porque o próprio conhecimento se aperfeiçoa e se reabsorve em qualquer tipo de união. Quando nos abraçamos, não nos vemos mais, estamos muito próximos, somos quase um. A criança fecha os olhos quando se reconforta num carinho maternal. Nós nos perdemos no amor, mas nos encontramos além de nós mesmos, no outros; finalmente em Deus tudo em todos. Cada uma das Três Pessoas da Trindade ama pessoalmente as Duas outras, mas as Três constituem um só e mesmo amor. O Pai é princípio único do amor. O Espírito Santo é acabamento e o princípio de Sua difusão, Ele que inspira, unifica e preenche a face da terra e habita cada um de nós.
|